Naquela manhã Clara decidira percorrer um caminho desconhecido. A estrada de terra batida trazia o cheirinho da terra molhada pelo orvalho da noite, era ladeada por muitos arbustos com suas folhas longas e estreitas e longos pendões que subiam em direção ao céu, mas logo voltavam a olhar para o chão e todos dançavam ao sabor do vento. O ar carregava um perfume suave, como um convite encantado para seguir adiante.
Absorvida em seus pensamentos, ela avistou, logo à frente, um antigo portão de ferro. Seus desenhos delicados estavam quase ocultos pelas heras que se entrelaçavam em diferentes tons de verde. Atrás dele, escondia-se um jardim misterioso.
Ao se deparar com o portão, Clara sentiu um desejo incontrolável de entrar. Empurrou-o delicadamente, e ele se abriu com um ranger discreto. Para sua surpresa, o jardim não era feito de flores, mas de espelhos — de todos os tamanhos e formatos, com molduras variadas, algumas imponentes, outras modestas. Intrigada, ela caminhou entre eles, até parar diante de um.
Seu coração acelerou quando percebeu que o espelho não refletia sua imagem. Em vez disso, via uma mulher de ombros curvados, olhar cansado, cercada por sombras que sussurravam palavras conhecidas: “Você precisa se esforçar mais para ser amada.” “Não seja tão sensível.” “Quem você pensa que é?”
O espelho estremeceu. Clara recuou, sentindo um arrepio percorrer sua pele. Continuou andando e parou diante de outro espelho. Dessa vez, viu-se sorrindo, mas o olhar não era seu. Era o reflexo de alguém que já havia feito parte de sua vida — um amor passado, uma amizade perdida, um olhar de quem se moldou para caber no espaço que lhe era dado.
Cada espelho revelava uma versão dela mesma, esculpida pelas palavras e gestos daqueles com quem havia se relacionado. Algumas imagens eram suaves, trazendo lembranças de afeto genuíno. Outras, no entanto, mostravam camadas que ela havia assumido para agradar, para ser aceita, para não ser deixada.
Então, Clara percebeu que aquele jardim não era feito apenas de espelhos, mas de tudo o que ela acreditava ser a verdade sobre si mesma. Havia se olhado através dos olhos dos outros por tanto tempo que sua própria imagem se tornara um mosaico de impressões alheias.
Respirou fundo e caminhou até o centro do jardim, onde um grande espelho a aguardava. Nele, finalmente, viu-se como era. Tocou suavemente sua própria imagem refletida. No instante em que seus dedos encontraram o vidro, o espelho trincou, e seus pedaços caíram ao chão. Mas, em vez de cacos cortantes, tornaram-se pequenas sementes reluzentes.
Clara ajoelhou-se e, com as próprias mãos, abriu pequenas covas na terra, plantando cada semente com cuidado. Quando terminou, levantou-se lentamente e seguiu em direção ao portão. Antes de sair, lançou um último olhar para trás e viu, diante de seus olhos, um novo jardim começando a florescer.
Ela atravessou o portão, que se fechou suavemente atrás dela.
Clara já não era mais a mesma. Não porque algo em sua aparência tivesse mudado, mas porque agora ela se reconhecia.
Ao deslizar a mão pelo bolso, sentiu algo estranho. Retirou um pequeno pedaço de espelho. Sorriu. Era o símbolo de um novo começo.